domingo, setembro 09, 2007

olfato.

ana virava de lá pra cá na cama, o dia, a tarde, o sono, já iam longe. ela dormia num incomodo de estar quase acordada, dormia com os olhos e as pálpebras macias, o corpo estremecendo. se encaixava nas ondulações da cama, passava a mão em toda a superfície do seu tronco, o ventre, a cintura, seus seios, o pescoço, a nuca. queria se sentir ali, viva. desejava por vezes não ter seios tão grandes, ou tão pequenos, não ter cabelos tão curtos, ou tão grandes, desejava tudo, e nesse momento, quando analisava com a mão seu próprio corpo, é que sabia entender a sua imagem, a sua alma, os seus desejos. dobrava o pescoço para todos os lados, nua, de barriga para cima, de barriga para baixo, ao pé da cama, do lado contrário, de todos os jeitos. cheirava todas as coisas sem cheiro que provavelmente era o seu odor absorvido pela casa. perpassava lenta e ansiosa o nariz nas dobras do lençol, do travesseiro, do edredon, mais uma vez e sempre, quase dormindo, quase sonho, quase sol,. fazia isso repetidas vezes, incessantes vezes, infinitas, era a cadência que ela escolhera. se deixava levar. cheiro. cheirar. cheiro. cheira. foi num repente. é num repente. que ela sente. ela cheira você. você mesmo, interlocutor em segunda pessoa. não era perfume, não era cheiro de nada, era cheiro seu, cheiro da pele. da sua pele. pele branca, macia, intacta, densa, suave, pele impregnada naquele colchão. pele pra poder amar. ela amava. ela tinha um coração todo pra você. pra você e pra ela. praquele cheiro. e não por menos, sempre não por menos, logo que seus sentidos, suas narinas, seu olfato anunciaram tal percepção, ou seja: você. despudoradamente você, invadindo aquele ritual sagrado, sua cama, sua luta, seu sono, logo após essa invasão, ana entrava na percepção racional de querer te controlar. ela não sabia nem saber que era você, ela sentia, ela queria parar, queria guardar, pegar, estrangular aquele cheiro. acariciá-lo. queria tudo. queria tê-lo. precisava tê-lo. pateticamente, só por isso, teimosamente assim você sumiu. você sumia. o odor era de nada de novo. odor de nada. cheiro de nada. ela queria você. ela precisava de você. abriu os olhos. voraz e com raiva. desespero, embriagando-se por acordar, analisava. farejava tudo consciente agora, devorava, inspirava, engolia o quarto inteiro. de novo. de novo. cadê. cadê você. não se acha, não se pega, não se prende. não se tem. você deve ter morrido pra sempre, você deve ter nunca existido. você era o ar. você não era e isso ela não podia aceitar, te buscou de novo, ela não descansava, ela lutava, lutou e com tudo, até a última gota, até por fim, enfim, perceber o cheiro de peixe da cozinha.

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